O Presidente João Lourenço, admitiu hoje que “falta de diálogo” entre a petrolífera estatal angolana Sonangol e o Governo (do qual é o chefe) “contribuiu negativamente” para o processo de importação de combustíveis e consequente escassez do produto no mercado em todo o país. Dada a impossibilidade de haver um Ministério da Competência, talvez tenha chegado a altura de criar o Ministério do Diálogo Interno.
Numa nota oficial, a Casa Civil do Presidente angolano refere que esta foi a conclusão que saiu da reunião que o chefe de Estado (também Presidente do MPLA e Titular do Poder Executivo) manteve hoje com a equipa económica do Governo, que decorreu à porta fechada e sem declarações à imprensa, apesar de os jornalistas terem sido convocados para o local.
“Da análise feita, concluiu-se ter havido falta de diálogo e comunicação entre a Sonangol e as diferentes instituições do Estado, o que terá contribuído negativamente no processo de importação de combustíveis. Foram, no entanto, tomadas as medidas e mobilizados todos os recursos necessários para a completa estabilização do mercado de abastecimento dos combustíveis nos próximos dias”, lê-se na nota.
“Apela-se à compreensão dos utentes e da população em geral, não obstante reconhecermos os constrangimentos a que estão sujeitos com a situação criada”, termina a curta nota sobre a reunião, que durou cerca de hora e meia e na qual, presume-se, tenha havido diálogo.
Estando no ADN do MPLA, partido no Poder desde 1975, o desconhecimento da diferença entre diálogo e monólogo, entre democracia e ditadura, não admira que os departamentos do Estado e, neste caso, a Sonangol tenha funcionado a ancestral rega de dialogarem calados, todos juntos, um de cada vez, e à luz de um candeeiro apagado (por falta de combustível).
No encontro com João Lourenço participaram os ministros de Estado para o Desenvolvimento Económico e Social, de Estado e Chefe da Casa de Segurança do Presidente, da Energia e Águas, dos Recursos Minerais e Petróleos, e das Finanças, o Governador do Banco Nacional de Angola (BNA) e o presidente da Sonangol.
A falta de combustíveis, que está a afectar todo o país desde a passada sexta-feira, vai gradualmente paralisando todos os sectores produtivos em Angola e está a originar graves problemas de energia, sobretudo nas províncias do interior, dependentes do combustível para fornecer electricidade.
Num comunicado divulgado no sábado, o único até agora emitido pela Sonangol EP, principal distribuidora de combustível angolana, justificou a escassez de gasolina e de gasóleo com dificuldades no pagamento dos produtos refinados importados em moeda estrangeira, prometendo que, em breve, a situação estaria ultrapassada.
A falta de combustíveis em Angola foi, aliás, assunto abordado segunda-feira por João Lourenço num encontro que decorreu no Palácio Presidencial, na Cidade Alta, em Luanda, em que exigiu um “relatório pormenorizado” sobre a situação.
Sua majestade João Lourenço faz muito bem em exigir diálogo. Mas será que a sua formação partidária nos garante que ele não é alérgico ao diálogo? Não garante. Fica-lhe bem falar em diálogo. Pode ser que haja quem acredite que, ao fim de várias décadas, o MPLA tenha descoberto que dialogar é pedra basilar de qualquer sociedade sã.
Mas, não há diálogo que nos valha quando um Estado, um país, ou até mesmo que seja (como parece ser o nosso caso) um reino, chega ao ponto de não ter combustíveis porque a petrolífera do MPLA/Governo (Sonangol) não dialogou com esse mesmo Governo.
E como se não bastasse esta prova inequívoca e paradigmática de incompetência das partes (Sonangol e Governo), fica a certeza de que nenhuma cabeça vai rolar, que nenhum responsável da petrolífera e ou do Executivo vai ser demitido com mais do que justa causa.
Novamente se verifica que João Lourenço (que escolheu quem quis para a Sonangol e para o Governo) prefere ser assassinado pelos elogios (no caso de Carlos Saturnino consubstanciados pelo seu orgasmo canibalesco nos ataques pessoais a Isabel dos Santos), do que salvo pelas críticas dos que – como o Folha 8 – lhe dizem que quem nasce para ser anuário nunca chegará a ser diário.
E que tal ouvir (mesmo baixinho) Isabel dos Santos?
Quando entende, e entende quase sempre com raro e afinado sentido de oportunidade, Isabel dos Santos utiliza as redes sociais para pôr os nervos de João Lourenço à flor da pele e demonstrar que, afinal, o Presidente não é um Estadista mas tão só um político vulgar.
Que melhor exemplo de vulgaridade poderiam os seus detractores querer do que este de justificar a falta de combustíveis com a falta de diálogo entre o Estado (Sonangol) e o Estado (Governo)?
Isabel dos Santos, exonerada (sem razões técnicas objectivas) por João Lourenço, questionava e continua a questionar a atractividade do país, do ponto de vista dos investidores estrangeiros.
“Qual é o investidor que vai entrar se não dão autorização aos actuais investidores estrangeiros para levarem os lucros em dólares”, apontava Isabel dos Santos, referindo-se às dificuldades que as empresas e investidores enfrentavam, nos últimos anos, para repatriar lucros e dividendos, devido à escassez de divisas em Angola.
Desde que foi exonerada da Sonangol, por – repita-se – decisão mais política do que técnica, mais pessoal do que colectiva, mais por interesses pessoais do que empresariais, Isabel dos Santos foi visada regularmente por várias notícias sobre alegadas irregularidades nos 17 meses de administração na petrolífera, não sendo nenhuma delas por falta de… diálogo.
Recordam-se que Isabel dos Santos referiu-se à situação na Sonangol, acusando a actual administração liderada por Carlos Saturnino, de “despedimentos em massa”, nomeadamente de colaboradores que lhe eram próximos?
Numa publicação com o título “Carta Aberta”, que colocou nas redes sociais, Isabel dos Santos assumiu: “Estão a ocorrer despedimentos em massa! Os assessores, os directores, e todos colaboradores que foram promovidos ou que entraram para a Sonangol durante a vigência do último conselho de administração estão a ser todos despedidos, ou enviados para casa”.
Isabel denunciou mesmo que estavam a ser “conduzidos interrogatórios à porta fechada, com gravadores em cima da mesa, alegando um falso inquérito do Estado e um falso inquérito do Ministério do Interior, intimidando as pessoas para coercivamente responderem às questões”.
“Este procedimento é ilegal. Só as autoridades judiciais ou policiais podem fazer interrogatórios. É preciso respeitar o direito dos trabalhadores”, escreveu Isabel dos Santos, acrescentando, sobre os colaboradores que estavam a ser despedidos, que muitos “recentemente largaram outros empregos para integrarem a Sonangol, porque acreditaram no país e queriam ajudar Angola a crescer”.
Isabel dos Santos tinha razão
Porque é que Carlos Saturnino diabolizou (não confundir com “dialogou”) Isabel dos Santos, dizendo o que João Lourenço lhe mandou dizer? A ex-PCA da Sonangol disse na altura que as afirmações do seu sucessor foram “nada mais que um circo, uma encenação!”. E explicou que “procurar buscar um bode expiatório, para esconder o passado negro da Sonangol, e escolher fazer acusações ao anterior Conselho de Administração” não passava de “uma manobra de diversão, para enganar o povo sobre quem realmente afundou a Sonangol”, lembrando: “E seguramente não foi este Conselho de Administração a que presidi, e que durou 18 meses, que levou a Sonangol à falência!”
Recorde-se que, em 2015, após a apresentação por Francisco Lemos, então PCA da Sonangol, do “Relatório Resgate da Eficiência Empresarial”, o Executivo angolano (no qual figurava João Lourenço) tomou conhecimento da gravidade do problema da Sonangol.
“A Sonangol, que supostamente deveria ser a segunda maior empresa de África, soube-se de repente que estava falida, e incapaz de pagar a sua dívida bancária”, disse Isabel dos Santos, explicando que, “em consequência deste facto, o Executivo angolano tomou a decisão de criar a Comissão de Reestruturação do Sector dos Petróleos, e de contratar um grupo de consultores externos”.
“A Comissão de Reestruturação do Sector dos Petróleos criada por Decreto Presidencial 86/15 Data 26.10.2015, foi composta por: Ministro dos Petróleos, Ministro das Finanças, Governador do BNA, PCA da Sonangol, Ministro da Casa Civil da Presidência da República”, recordou Isabel dos Santos.
A arrogância pessoal de Carlos Saturnino, que mais pareceu um (mais um) acerto pessoal de contas, pôs em causa – num monólogo travestido de diálogo – as decisões tomadas pelo governo angolano em 2015 e 2016, pôs em causa a presença de consultores, pôs suspeitas sobre o trabalho realizado e pagamentos feitos, negando – ou branqueando – o facto de que a Sonangol estava falida.
“Pôr em causa a decisão do Governo angolano em querer reestruturar a Sonangol, e tentar manipular a opinião pública, para que se pense que a Administração anterior trouxe os consultores por falta de competência ou por interesses privados, significa querer reescrever a história, e atribuir a outros as responsabilidades da falência da Sonangol”, afirmou Isabel dos Santos.
E acrescentou: “Esta manipulação dos factos assemelha-se a um autêntico revisionismo, e só pode ter como objectivo, o regresso em força do que convém chamar como “a antiga escola” da Sonangol”.
Indesmentível parece ser que o resultado da gestão de Isabel dos Santos até 15 de Novembro de 2017, resultou num aumentou de lucros da Sonangol em 177% e que a divida foi reduzida em 50%.
Convicta do seu trabalho, Isabel dos Santos disse que “as tentativas de Carlos Saturnino de reescrever a história são consequência, no meu entender, de um retorno em força da cultura de irresponsabilidade e desonestidade que afundaram a Sonangol em primeiro lugar”.
Goste-se ou não de Isabel dos Santos, a verdade é que – como ela própria afirmou – “o grau de agressividade e as campanhas difamatórias reproduzidas, e em perfeita coordenação com os órgãos de imprensa da oposição, e com as oficinas de manipulação das redes sociais, demonstram que há um verdadeiro nervosismo em alguns meios com interesses financeiros, que durante anos aproveitaram e construíram fortunas ilegítimas à custa da Sonangol, e agora tudo fazem para que o escândalo da minha acusação difamatória, distraia a opinião pública de ver os verdadeiros responsáveis”.
Importa ainda realçar, não esquecer, que – segundo Isabel dos Santos – “esta campanha generalizada e politizada contra mim, faz-me acreditar que estão de retorno os interesses das pessoas que enriqueceram bilhões à custa da Sonangol. São estes, que hoje fomentam e agitam a opinião pública de forma a poder retomar os seus velhos hábitos”.
Por fim, disse que “o problema da Sonangol não é, e nunca foi, Isabel dos Santos, mas sim a irresponsabilidade da gestão, e das entidades que beneficiarão de contratos leoninos e ganharam milhões, e hoje esperam poder continuar a gozar e viver desta prevaricação.”
E enquanto se espera que abasteçam de combustível e, já agora, de diálogo, os postos de venda, continuemos a acreditar que, por mero acaso, também foi a falta de diálogo que premiou a Telstar como vencedora do concurso público internacional para quarta operadora de telecomunicações em Angola.